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Votos dos ministros do STF devem ser públicos em respeito à democracia e ao equilíbrio dos poderes

Recente afirmação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aventou a possibilidade de que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não fossem divulgados, sob a justificativa de evitar animosidades. A sugestão, prontamente rechaçada por juristas e por integrantes do Legislativo, representaria imenso retrocesso ao Estado Democrático de Direito.

Primeiramente, é fundamental lembrar que a publicidade é um dos princípios da administração pública a serem obedecidos por todos os Poderes, conforme define o artigo 37 da Constituição Federal. 

Atualmente, só correm em segredo de justiça casos excepcionais, como os que envolvem menores de idade. E, em relação aos votos dos magistrados, esses são, em geral, públicos e devem ser fundamentados de acordo com o ordenamento jurídico em vigor. O descontentamento e as reações que eventualmente causam são ônus do papel de juízes e de ocupantes de cargos públicos afetados, mas não devem ser suficientes para se diminuir a transparência ou — pior — se optar declaradamente pela opacidade.

Críticas e análises fazem parte do jogo democrático. Ameaças, ofensas e outros atos violentos em reação a decisões judiciais devem ser punidos no rigor da lei, já existente para esses tipos de situação.

A irrefletida fala do presidente — uma reação a críticas feitas a ministro por ele nomeado — revela-se, portanto, como um casuísmo desprovido de fundamentação republicana.

Nos últimos anos, o STF tem estado cada vez mais em foco e se tornou tema de debate da sociedade em geral. Não somente os operadores do direito, mas todos os cidadãos sentem-se aptos a comentar o posicionamento da corte. E nada há de errado nisso se considerarmos que o tribunal decide o futuro não somente de juristas, mas de toda a nação. É razoável portanto que os agentes dos outros poderes e os brasileiros acompanhem e, em certa medida, fiscalizem as decisões da corte, que é suprema, mas não está acima dos demais Poderes, pois, como versa o artigo 2º da Constituição, estes devem ser “independentes e harmônicos entre si”. Mais: é desejável que a sociedade eleve seu grau de atenção sobre a atuação de todos os poderes.

Para que exista harmonia, é fundamental haver transparência. E a independência não consiste em ocultar os posicionamentos dos agentes dos demais poderes, mas em ter segurança para agir independentemente de eventuais pressões que estes venham a fazer, julgando de acordo com a ordem democrática e constitucional. 

Diante da possibilidade esdrúxula trazida pelo chefe do Executivo, o ex-ministro do STF Celso de Mello destacou os riscos que tal mudança traria: “Os estatutos do poder numa República fundada em bases democráticas não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo, que tem na transparência a condição de legitimidade dos próprios atos, sempre coincide com tempos sombrios e com o declínio das liberdades fundamentais”.

No mesmo sentido, Ricardo Lewandowski, que recentemente se aposentou como ministro do Supremo, afirmou que seria um grande retrocesso fazer uma mudança nesse aspecto e ressaltou a importância da publicidade. “É um princípio constitucional. É uma cláusula pétrea. Não há nenhuma possibilidade de reversão nesse sentido. Isso afeta a administração pública em geral, mas afeta também particularmente o Poder Judiciário. Todas as decisões e todas as seções em qualquer nível judicial são necessariamente públicas por força de um dispositivo constitucional, desse princípio da publicidade”, declarou.

Em momentos de pressão e dissensão social e política, a transparência deve ser ainda mais prezada e servir ao interesse público. Qualquer movimentação no sentido de omitir informações à sociedade deve ser rechaçada. Não se pode reprimir o vício da intolerância com falta de informação e com menos publicidade.

Na vida pública, como ensinou o juiz norte-americano Louis Brandeis, a luz do sol continua a ser o melhor detergente.


José Augusto Araújo de Noronha, advogado, sócio fundador do J.A Noronha Sociedade de Advogados e presidente do Conselho de Colégios e Ordens de Advogados do Mercosul (Coadem). Foi presidente da OAB Paraná e diretor tesoureiro do Conselho Federal da OAB.

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